Todas estas terras

02 dez, 2024 • Mafalda d’Oliveira Martins | MOM

https://rr.sapo.pt/artigo/convidado/2024/12/02/todas-estas-terras/404009/

A Pousio foi criada no Natal de 2019, com o objectivo de trazer uma proposta diferente às gerações mais novas de artistas que viam (e vêem) o seu começo de carreira atribulado e, possivelmente, ensimesmado.
"De Sísifo que não desiste à canção da liberdade", inspirado em João Motta Guedes. Ilustração: Mafalda d’Oliveira Martins - MOM

"De Sísifo que não desiste à canção da liberdade", inspirado em João Motta Guedes. Ilustração: Mafalda d’Oliveira Martins - MOM

Quis escrever hoje sobre uma celebração que me é muito querida e que ocorre todos os anos em dezembro, o aniversário da Pousio- arte e cultura, associação que fundei há cinco anos juntamente com outros artistas, juristas, investigadores e mais.

E como todos os dezembros nos preparamos para o Natal, também eu me preparo para fazer um balanço do trabalho feito nesta organização.

Este, surpreende-me sempre: ou porque achámos que fizemos pouco e damo-nos conta de que muito foi feito, ou porque a correria dos dias não nos permite gozar da beleza que o trabalho cultural leva aos sítios em que passamos e traz dos sítios em que passamos. Explico-me.

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A Pousio foi criada no Natal de 2019, com o objectivo de trazer uma proposta diferente às gerações mais novas de artistas que viam (e vêem) o seu começo de carreira atribulado e, possivelmente, ensimesmado. Isto é, víamos nessa altura (e hoje), artistas com poucos recursos para fazer residências artísticas, para conduzir novas investigações, e presos a um sector cultural muito centralizado nas metrópoles, baseado em bolhas sociais que, mais tarde ou mais cedo, influenciariam as suas produções como condição representação ou de algum sentido de “pertença”.

Não era a nossa intenção desmascarar realidades que achássemos menos ideais ou de menosprezar o sector cultural, como o conhecíamos. Antes, quisemos criar projectos que desafiassem estes artistas a sair dos seus ateliers e das suas bolhas para conhecer realidades sociais mais frágeis, mais isoladas, ou simplesmente, diferentes. O objectivo, ter na nova geração de artistas, trabalhos que falem a mais pessoas que apenas aos seus pares, uma maior sensibilização social, enfim, uma humanização da nova arte contemporânea.

Para isto, criámos um projecto de residências artísticas pelo país fora, onde propúnhamos aos artistas dividirem o seu trabalho entre umas horas de acção social com uma instituição parceira, na maioria das vezes foram lares para a 3.ª idade, o conhecimento do lugar, do património e dos habitantes, e, por fim, a produção artística.

A associação criou vários outros projectos, colaborando com organizações como a Dona Ajuda, a Brotéria ou a Casa São Francisco de Assis, sempre na ótica de unir o sector cultural ao social. Daí não se criou arte comunitária, criou-se arte em comunidade. Isto é, não se criaram trabalhos ou acções com as comunidades locais, mas criaram-se obras inspiradas pela partilha com as mesmas. Partilha essa que deixou um tempero para o que haveria de ser produzido no futuro, onde que quer fosse.

Hoje, a entrar no mês de dezembro, preparamos uma exposição com alguns dos artistas (trinta e um) que passaram pelos nossos projectos. São trabalhos actuais, na maioria produzidos já depois dos projectos em que estes participaram.

Preparamo-nos, então, para ouvir os ecos destas experiências feitas em comunidade, cada um em nome próprio, vivido e sentido na intimidade individual de cada artista.

As obras teceram um tom comum: o lúdico. Seria de esperar que nas realidades encontradas nos lugares em que passámos (lares, centros de dia, comunidades mais isoladas ou mais frágeis) a sensação comum seria pesada e se repercussionaria em trabalhos tristes ou lamentativos. Antes, pelo contrário, ao longo destes cinco anos encontrámos muita alegria e uma beleza inimaginável nos lugares mais insuspeitos. Agora, mostramos esse lado B, que não aparece nos jornais nem nas estatísticas. O Portugal cinzento é um retrato longínquo e agora surge um novo olhar sobre todas aquelas terras.

A inaugurar no dia 5 de dezembro, “Ceres” (o nome da exposição), comemora os nossos cinco anos num lugar muito especial, o Palácio dos Arcebispos na Casa São Francisco de Assis - Antiga Casa do Gaiato de Lisboa, onde a associação ajudou a desenvolver um atelier de pintura e cerâmica para os seus utentes. Perante um edifício de património classificado, vimos apresentar património vivo.

Espero que este momento que para mim (e para tantos outros) é tão importante seja, um dia, um marco (pequeno ou grande) na arte portuguesa.

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