Têxteis-Lar. LX Lapa, Lisboa
Curadoria | Curatorship : Maria Luísa Ramires , MOM , Rita Cêpa
Exposição colectiva com | Collective exhibition with:
Archie Dickens , Conceição Abreu , Margarida Lopes Pereira , Madalena Corrêa Mendes
Texto curatorial:
O lar onde vivemos, conotado invariavelmente com a noção de casa, é o locus fronteiriço de onde provêm muitas das nossas primeiras vivências, onde pairam memórias, vestígios que sobrevivem de dias antigos, onde se contam e guardam histórias. Muitas vezes associado a uma sensação de conforto e protecção, por causa do carácter tangível dos têxteis que o pulverizam e da portabilidade dos objectos que acomoda, este possui a capacidade de nos envolver, de apelar aos nossos sentidos e de reinvindicar memórias e rotinas diárias.
Este refúgio, no qual é construído um importante acervo sensível e sensorial, ganha uma maior importância num mundo actual marcado pela esfera digital, pela superexposição mediática, pela convivência virtual, por uma constante aceleração, pela pressa e pelo stress permanente devido à necessidade de um perpétuo multitasking, fruto de uma era em que o excesso de informação a que temos acesso transformou a nossa capacidade de olhar e de comunicar. Mas de que forma é que este espaço doméstico e habitável, que reclamamos como nosso, que nos espelha e alicerça de uma forma tão profunda, é capaz de ser tão culturalmente familiar, simbólico e reconhecível por qualquer um? Por mais diferentes que possam ser as nossas casas, a memória colectiva da experiência que advém deste lugar remete-nos continuamente para um local onde se estabelece um laço afetivo entre indivíduo e espaço, um vínculo mais ou menos transversal. É aqui que se inicia um diálogo fundamental entre o espaço exterior, que ocupamos fisicamente, e o interior, íntimo. E é também aqui que temos um primeiro contacto com o conceito de habitar, que deriva de uma série de estímulos relacionados com a ideia de presença e de permanência. Porém, através de uma análise etimológica percebemos que este verbo possui muitos outros horizontes: habito, -are, do latim, deriva de habere, que significa possuir, ter ou manter; por sua vez, habere deriva do verbo habeo, que se encontra na fundação dos termos habilis (hábil), habitus (hábito) e habitudo (habitude).
Partindo do conceito de lar enquanto estrutura feita e pensada para acolher o ser humano e o resguardar - na fronteira entre o interior e o exterior, o privado e o público - a presente exposição propõe possíveis abordagens a este lugar mediadas pelo discurso do e no têxtil. Archie Dickens, Conceição Abreu, Margarida Lopes Pereira e Madalena Corrêa Mendes reinterpretam esta relação entre o universo têxtil (enquanto campo de expressão artística) e o elo afectivo que envolve a experiência íntima corpo/casa. Através da manipulação de materiais, técnicas e elementos associados a este campo criativo, estes artistas procuram explorar a capacidade da arte se assumir enquanto lugar de expressão e de convicções de ordem estética, ética, social, cultural e política, mas igualmente emocional e afectiva, subvertendo a imagem de um espaço de domesticidade e de feminilidade a que a costura, o bordado ou a tecelagem foram desde cedo associados. Existe ainda, na utilização destes componentes, um potencial de transformação, onde a criação de imagens-objecto provoca um importante confronto com estereótipos de ordem identitária.
Rita Cêpa